04 outubro 2007

Você é Hands-on?


Vi um anúncio de emprego. A vaga era de gestor de atendimento interno, nome que agora se dá à seção de serviços gerais. E a empresa exigia que os interessados possuíssem - sem contar a formação superior - liderança,criatividade, energia, ambição, conhecimentos de informática, fluência em inglês e não bastasse tudo isso, ainda fossem hands on. Para o felizardo que conseguisse convencer o entrevistador de que possuía essa variada gama de habilidades, o salário era um assombro: 800 reais. Ou seja, um pitico.

Não que esse fosse algum exemplo fora da realidade. Pelo contrário, é quase o paradigma dos anúncios de emprego. A abundância de candidatos permite que as empresas levantem cada vez mais a altura da barra que o postulante terá de saltar para ser admitido.
E muitos, de fato, saltam. E se empolgam. E aí vêm as agruras da super-qualificação, que é uma espécie do lado avesso do efeito pitico...

Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos tão bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguisse ser admitida como gestora de atendimento interno.. E um de seus primeiros clientes fosse o seu Borges,Gerente da Contabilidade.

- Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.

- In a hurry!

- Saúde.

- Não, isso quer dizer "bem rapidinho". É que eu tenho fluência em inglês.

Aliás, desculpe perguntar, mas por que a empresa exige fluência em inglês se aqui só se fala português?

- E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias?

- O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque eu tenho profundos conhecimentos de informática.

- Não, não.. Cópias normais mesmo.

- Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha criatividade. Eu já comecei a desenvolver um projeto pessoal visando eliminar 30% das cópias que tiramos.

- Fabiana, desse jeito não vai dar!

- E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar.

- Como assim?

- É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E considero isso um desperdício do meu potencial energético.

- Olha, neste momento, eu só preciso das três có...

- Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro...

- Futuro? Que futuro?

- É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e ainda não aconteceu nada.

- Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu nada!

- Sei. Mas o senhor é hands on?

- Hã?

- Hands on.. Mão na massa.

- Claro que sou!

- Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que eu vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me prometeram quando eu fui contratada.

Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções:

1 - Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas vagas porque
não têm as qualificações requeridas.


2 - E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que são admitidos porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não poderão usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava delas.
Alguém ponderará - com justa razão - que a empresa está de olho no longo prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá ir sendo preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores.
Em uma empresa em que trabalhei, nós caímos nessa armadilha. Admitimos um montão de gente superqualificada. E as conversas ficaram de tão alto nível que um visitante desavisado confundiria nossa salinha do café com a Fundação Alfred Nobel.


Pessoas superqualificadas não resolvem simples problemas!

Um dia um grupo de marketing e finanças foi visitar uma de nossas fábricas e no meio da estrada, a van da empresa pifou. Como isso foi antes do advento do milagre do celular, o jeito era confiar no especialista, o Cleto, motorista da van. E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês,tinha informática, energia e criatividade e estava fazendo pós-graduação, só que não sabia nem abrir o capô. Duas horas depois, quando o pessoal ainda estava tentando destrinchar o manual do proprietário, passou um sujeito de bicicleta. Para horror de todos ele falava "nóis vai" e coisas do gênero.

Mas, em 2 minutos, para espanto geral, botou a van para funcionar.

Deram-lhe uns trocados, e ele foi embora feliz da vida.

Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as empresas modernas torcem o nariz: o que é capaz de resolver, mas não de impressionar.

Max Gehringer

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