06 dezembro 2013

Honra!

Honra? Onde se pronuncia ou se escuta essa palavra? O sentimento foi banido. O vocábulo está em pleno desuso. Como se poderia supor hoje o sacrifício extremo, pela honra, como ocorreu com Getulio Vargas em 1954? Onde está a exigência pela sociedade civil do exercício honrado da Presidência, como sucedeu em 1992, levando ao impeachment de Fernando Collor?
Foi esse princípio substituído pelo vocábulo liturgia. O poder deve ser exercido com o máximo de liturgia, não mais com dignidade.
Outra palavra abandonada foi o decoro, lembrado apenas pelo Legislativo para negá-lo, em explícita afronta aos cânones da República.
O mau uso das prerrogativas institucionais nos abala a esperança de formação de uma sociedade fundada em governantes que se legitimem na prevalência do fato moral.
Também esse fundamento desapareceu da vida pública brasileira. Não basta a punição daqueles corruptos que, por acaso, são apontados e alguns até processados e condenados. A sociedade não pode se aperfeiçoar assistindo ao ininterrupto desfile dos delinquentes do setor público, sucessivamente pilhados.
O imperativo moral, a honra, a dignidade e o decoro não mais informam a conduta dos governantes. Perdeu-se a noção de que a legitimidade de um governo não advém apenas da vitória eleitoral, mas, sobretudo, do exercício do poder voltado para a missão civilizatória.
Sem cumprir esse desiderato de aperfeiçoamento contínuo da cidadania que advém do comportamento ético no exercício do poder, a legitimidade desaparece, refletindo-se no não-governo que, embora onipresente, perde a autoridade no meio social como valor. O poder funda sua legitimidade quando se mantém como referência de ética pública.
Se não podemos mais atribuir nenhum valor moral aos nossos governantes, tudo será permitido no seio da sociedade. Confunde-se o sentido do bem e do mal. Rompe-se a solidariedade social. Nada mais se respeita. Não haverá mais um povo, apenas a massa consumidora.
A febre de poder como um fim em si mesmo, própria dos homens medíocres, traz uma questão de consciência que se coloca em função de uma lei que nunca foi escrita, aquela da probidade inconteste e presumida. A honra torna-se uma exigência que é, ao mesmo tempo, um limite à desmesura dos poderosos e uma referência da cidadania.
O exercício do poder sem o primado do fato moral leva à formação de uma sociedade cínica e reprodutora do vácuo de valores políticos.
Daí resulta que as novas gerações não mais se acreditam vocacionadas a refazer o mundo. O bem e o mal passam a ser identificados conforme as conveniências de cada um, o que leva infalivelmente à absoluta confusão entre justiça e injustiça.
Há que se mobilizar a cidadania para que se restabeleça a honra --expressão suprema da consciência humana-- na arte de governar.
Deve a cidadania ter segurança de que o poder não é sempre empolgado por uma malta de salteadores, mas por governantes em quem se possa confiar por estarem submetidos ao imperativo moral. Que o debate eleitoral que se avizinha possa girar em torno desses fundamentos e que o povo possa, assim, distinguir o bem do mal político.
MODESTO CARVALHOSA, 81, é jurista e autor de "Livro Negro da Corrupção", vencedor do prêmio Jabuti na categoria Literatura Jornalística